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Os doces de leite na América Latina

dulce-de-leche.jpgOs doces de leite não são exclusividade do Brasil, Uruguai ou Argentina. Em todos os países da América Latina, encontram-se variedades de doce de leite, com nomes diversos. Em países em que se fala espanhol, dulce de leche é o nome mais comum, mas também é conhecido como manjar blanco no Chile, Peru, Equador, Colômbia e Panamá – e, nesse último, também como bién-me-sabe; cajeta no México e na América Central; jamoncillo no México; arequipe na Colômbia; leche de burra em El Salvador e na Nicarágua.

Cajeta (caixinha) designava a embalagem, enquanto que manjar blanco (manjar branco) era o nome de um doce que, apreciado pelas elites européias no período medieval, preparava-se a partir de leite de amêndoas e peito de frango.

Quer seja pastoso, sólido, mole (manipulado ou em formas) ou duro (cortado em tabletes), a receita básica dos doces de leite é sempre a mesma: o leite é fervido com açúcar até que fique espesso e caramelizado.

resfriador-leiteAs proporções variam entre 100 gramas e um quilo de açúcar por litro de leite; o tempo de fervura, entre meia hora e cinco horas, resultando em consistências diferentes e cores que variam entre o bege claro e o marrom escuro. 

Geralmente, o doce de leite é feito com leite de vaca ou, em algumas regiões do México e da Venezuela, com leite de cabra. Às vezes, adicionam-se sabores (álcool, limão, cacau, canela ou baunilha), frutas, frutas secas, coco, amêndoas, amendoim ou nozes. São embalados em potes, folhas, celofane ou em cuias.

cajeta3Nos lugares em que existem vários tipos de doces de leite, eles são comumente diferenciados pela consistência. No México, a cajeta é pastosa, como o doce de leite brasileiro, sendo vendida em potes de vidro ou caixinhas de madeira; já os dulces de leche e os jamoncillos são mais consistentes, feitos em vários formatos, às vezes adornados com uma noz. Na Costa Rica, o dulce de leche é pastoso e a cajeta é sólida. Em El Salvador, o dulce de leche é duro e apresentado em tabletes; a leche de burra é mais parecida com balas, envoltos em celofane. Na Colômbia, o manjar blanco, vendido em cuias, é mais espesso do que o arequipe, vendido em potes. Cada região – e cada pessoa – tem sua receita, seus conhecimentos e seus segredos de fabricação.

Por terem a mesma receita básica, todos esses doces têm a mesma origem. A técnica de condensar um produto (leite ou fruta) com açúcar foi trazida à América pelos portugueses e espanhóis, que também são responsáveis pela introdução da cana-de-açúcar no continente. Na Península Ibérica, essa planta e suas técnicas de transformação haviam sido trazidas da Índia, pelos árabes.

dulce-de-leche-mexicoNão há doces de leite na Península Ibérica, devido à baixa produção de leite naquela região. Entretanto, já no início da colonização, os europeus introduziram o gado bovino no continente americano, apropriando-se de grandes extensões de terra. A partir do século XVII, novos colonos estabeleceram pequenas fazendas pecuárias, sobretudo em regiões com baixa densidade populacional indígena ou em regiões em que essa população fora desapropriada ou dizimada. Os planaltos, com alta densidade de população indígena, foram pouco ocupados com gado, sendo aí mais expressiva a criação de cabras e carneiros. A atividade pecuária não pôde se estender às terras baixas tropicais até a introdução de bois zebus, originários da Índia, no início do século XX. As raças de gado importadas da Península Ibérica não haviam se adaptado a essas condições climáticas.

As fazendas pecuárias desenvolveram-se, então, nas montanhas de altitude média: em torno de 1500 metros no oeste do México e na América Central, um pouco mais baixo do que isso em Cuba e República Dominicana, em torno de 2500 metros nos Andes, sobretudo do lado do Pacífico e, no Brasil, em Minas Gerais. Nas regiões temperadas (Argentina, Uruguai e Chile), o gado pôde desenvolver-se nas terras baixas, como os pampas.

Não se encontra doce de leite em zonas como a Amazônia, onde a atividade pecuária é recente. Seu consumo foi, provavelmente, por muito tempo restrito às áreas de atividade pecuária tradicional. Nessas fazendas, às vezes longe dos centros urbanos, a elaboração de doces de leite, assim como de queijos, era um modo de conservação do leite. Essas atividades eram realizadas apenas no período chuvoso do ano – ou, no caso de algumas regiões em que as chuvas distribuem-se ao longo do ano e os invernos são rigorosos, no verão -, quando os pastos são verdes e as vacas nutrem os bezerros.

queijo-serrano.jpgOs queijos podem ser guardados por mais tempo, mas os doces, quando não há conservantes químicos, devem ser consumidos em até dois meses. Assim é que, na Colômbia, na Nicarágua e no México, onde a estação chuvosa termina em outubro, os doces de leite são muito apreciados nas festas de dezembro (festas da Virgem, Natal).

O comércio de doces de leite ocorria principalmente nas regiões produtoras. Cresceu a partir do fim do século XIX, com o desenvolvimento dos transportes. A fabricação artesanal dos doces se desenvolveu nas cidades dessas regiões. Nos dias de hoje, os doces são freqüentemente vendidos em feiras e pontos turísticos, sendo que, com o tempo, algumas fabriquetas tornaram-se indústrias.

Grandes empresas multinacionais investiram nessa produção, mas, uma vez que não se trata de um produto homogêneo, puderam captar apenas parte do mercado. O doce de leite brasileiro, por exemplo, não se confunde com a cajeta mexicana.

doce-de-leite-terra-madreOs consumidores procuram sempre o produto com o qual estão familiarizados, não considerando outros tipos de doces como autênticos. Nas produções industriais locais e ainda mais nas produções artesanais, os diferentes doces de leite latino-americanos têm seu sabor particular: de cada país, cada região, cada localidade. Por toda a parte, um doce deleite.

 

Referências

Katz, E., 2007, "Les confitures de lait : produits de terroir des moyennes montagnes d’Amérique Latine", L’Alimentation en montagne, G. Boëtsch, A. Hubert (ed.), Gap, Editions des Hautes Alpes, pp.211-220.

dulce-de-leche-terminoKatz, E., In press, "Dulces de leche: local food products of Latin American mountains", Food in Mountain, G. Boëtsch, A. Hubert (ed.), Estudios del Hombre (Guadalajara, México).


* Esther Katz é antropóloga, pesquisadora do Institut de Recherche pour le Développement, associada ao Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília.

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