Do Prato ao Planeta

O que o prato e o planeta podem ter em comum?

Começando pela forma, comer é fundamental para viver.
Não pode haver vida na natureza que possa reinar com a ausência daquilo que lhe cabe por essência. Para uns e para outros, para todos; a natureza produz e oferece aquilo que é fundamental para a vida – o alimento.

O ato de comer é fruto de múltiplas misturas. Das condições de clima às tradições de cada povo; um prato de comida contém mais do que os olhos vêm. Significa mais do que matar a fome. É a receita para assegurar a sobrevivência e habitar o planeta. O prato é como um elo; ele nos remete ao conceito de que comemos para permanecermos vivos.

Do ponto de vista humano, o primeiro ato em nome da sobrevivência é chorar o leite; chamar o seio: alimentar a vida. Alimento magicamente contido nas mesmas circulares formas do planeta e do prato. E é assim que, desde o momento primordial, a criança ao nascer, já faz cumprir a suprema lei natural: a busca da sobrevivência.

E ela se dá, em primeiro lugar, pela percepção oral do mundo. A primeira de todas as etapas da formação emocional humana. Porém, a sobrevivência é tarefa a ser cumprida. Ela vai se dando ao longo de todo o processo de amadurecimento físico, mental e emocional de cada um de nós. Desde o começo, no meio, até o fim, ela será imperativa.

Das matas aos mares; dos céus á terra; para as pedras, para as plantas, para os seres todos animais; existem e jorram abundantes e adequados recursos naturais… Mas, a natureza, pede algo em troca. E cobra! Cobra, brava e definitivamente uma única coisa: a sobrevivência daquilo que criou.

As primeiras impressões de arte mostram que nossos ancestrais compreendiam isso. Sabiamente, encantadoramente, magicamente, pintaram cavernas; esculpiram estátuas generosamente arredondadas; lascaram pedra; descobriram a receita do fogo…

Qual o estímulo para essa obstinada busca? Cumprir a máxima natural – achar modos de sobreviver.

Mas o que seria um destino possível a ser cumprido, começou a se romper, na mesma medida em que fomos rompendo os determinantes naturais. A industrialização; a concentração de riqueza e poder; as ganâncias do mundo; o abandono das ciências e técnicas ancestrais; a busca do alimento fácil sem saber de onde e como vem; as trans-formações genéticas. Enfim, o desejo e a ilusão humana de ser mais que a natureza; de ter sem ser. Aí, a incerteza da vida! Espécie atrás de espécie sendo extinta, condições naturais em desequilíbrio…  

A lógica primordial rompida, esquecida, desrespeitada. Espécies extintas; a sobrevivência em questão. E a natureza cobra caro a sua generosidade. Cobra a vida com a morte. Não a morte cíclica, natural, universal. Mas a morte planetária; o desmonte do berço; a imposição do caos.

Aí a importância do alimento. Com esse simples e primordial gesto de comer, podemos fazer escolhas que alimentam a esperança. Ainda há tempo para compreendermos o quanto prato e planeta, tem em comum.


Marcia Clementino Nunes escreveu este texto após ter participado do Terra Madre 2006, acompanhando sua mãe, a Chef D. Lucinha.

 

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