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Mercado Central de Belo Horizonte: Não é só de comer, mas de celebrar

Comida, Mercado Público de Belo Horizonte e rituais alimentares

mercadobh1.jpgQuem já não ouviu falar que um dos primeiros lugares que um visitante, turista ou forasteiro deve conhecer, ao chegar em uma cidade, é o Mercado Público?

Lugar de encontro, de expressão de diversidade, do cotidiano, das diferenças, das particularidades; geralmente os Mercados Públicos das médias e grandes cidades são vistos e lembrados como uma porção de espaço significante da cultura local. A variedade de trocas, de consumo e de amplas possibilidades de comercialização são características dos Mercados, assim como a diversidade de frequentadores. De diferentes origens sociais, pessoas circulam, compram, vendem e trabalham em Mercados, configurando um espaço de vivência e de manifestação da materialidade da vida social.

Mercados Públicos, de maneira geral, podem ser vistos como locais de resolução de demandas de consumo. Na prática, para além das relações entre a oferta e a procura, o Mercado representa a constituição de um espaço que é também simbólico, gera identidade, por ser lugar de vivência, de compra e venda, mas também de sentimentos e valores.

mercadobh2.jpg  Desde o lazer, passando pela condição de trabalho, os Mercados são lugares em que se tem vontade de comer e em que se come. Ali se abastece a casa, amigos se encontram para conversar e beber. Compra-se temperos e utensílios diversos. É espaço da descontração e da realização de negócios, de administração da vida diária.

Os alimentos adquiridos nesses Mercados podem bem ser transformados em comidas, pratos, através de receitas, práticas e acréscimo de ingredientes outros, para satisfação de gostos e paladares. Essa transformação pode-se dar dentro da casa, no espaço doméstico. Porém, também nos Mercados Públicos ocorrem essas transformações. Ao lado das bancas de frutas, verduras, temperos, carnes, peixes… há nos Mercados lugares de venda de comida, de alimentos transformados em comida: restaurantes, botecos, lanchonetes, padarias.

mercadobh3.jpgNo Mercado Público de Belo Horizonte, há bancas (ao menos três) que vendem abacaxis em fatias, o que não se observa nos Mercados Públicos de Curitiba, Florianópolis ou Porto Alegre. A comercialização de pedaços de abacaxi gelado parece ser uma prática costumeira na capital de Minas Gerais, bem como a de outras frutas da estação, como é, por exemplo, o caso da melancia, no mês de junho.

Quem compra pedaços da fruta, come ali mesmo, e pode também considerar esse pedaço como amostra, comprando o abacaxi inteiro, levando a fruta para casa. Como dito, algumas bancas são especializadas na comercialização de pedaços de abacaxi, mas todas vendem também as frutas inteiras, à vontade do freguês. A forma de comer é com as mãos, segurando o pedaço do abacaxi com um plástico, servido dentro de um pacote em que escorre o suco que pode sair da fruta e ser também bebido ao final.

mercadobh4.jpgOutra diferença do Mercado de Belo Horizonte em relação aos do sul do País, é a presença da água de coco. Enquanto no sul caracteriza-se por ser vista como uma bebida exótica, uma iguaria com valor nutritivo e, portanto, valorizada como algo pouco comum, servida em copos descartáveis em quiosques ou carrinhos especializados, no Mercado Público de Belo Horizonte a água de coco é servida em copo de vidro de boteco, assim como o cafezinho ou a cachaça.

Impressiona também no Mercado Público de Belo Horizonte a intensidade das diferenças presentes em um mesmo espaço. No setor de animais vivos, muitas aves e bichos diversos são comercializados, não apenas pássaros, gatos, cachorros, há todo um corredor em que, dentro de grades e gaiolas, estão diferentes animais, que parecem ter os mais variados destinos.

mercadobh5.jpgO Mercado Público de Belo Horizonte é uma edificação que abriga pluralidade do que é vendido, mas também da gente que o frequenta. Há bancas especializadas tanto em frutas do cerrado brasileiro, como de frutas vindas do nordeste (tropical), ou do sul (subtropical ou temperado), como o pinhão, por exemplo. É difícil descrever tudo o que se comercializa ali, a diversidade inclui ainda miniaturas e representações de cozinhas, panelas de alumínio e cobre, fornos, ferramentas para cozinha e uma infinidade de produtos. Basta pisar no Mercado e ir à procura, não será difícil encontrar o que se busca.

Quando em Belo Horizonte, tive oportunidade de assistir a uma palestra com o pensador e autor Leonardo Boff , então na cidade para o lançamento de um livro. Boff não deixou de dizer que, em sua agenda, estava reservado tempo para, no dia seguinte, ir ao Mercado Público da cidade e comer o prato que não pode faltar em suas estadas pela capital mineira: o fígado frito com cebola e jiló, que ele afirma considerar o prato típico da cultura da capital mineira. Para Boff, o fígado frito acebolado com jiló servido nos bares, restaurantes e botecos do Mercado Público de Belo Horizonte, não é apenas um prato de comer, mas de celebrar.

mercadobh6.jpgSeguindo a inspiração de Boff, podemos dizer que o Mercado Público de Belo Horizonte é um espaço de celebração da vida, em que se alimentam o corpo e a alma. Afinal, como observou Mônica Abdala, em Receita de Mineiridade, não só de pão de queijo se alimentam a cozinha e a identidade mineiras.

Referência

ABDALA, Mônica Chaves. Receita de Mineiridade: a cozinha e a construção da imagem do mineiro. Uberlândia: EDUFU, 2007.


* André Souza Martinello é geógrafo e historiador. Atualmente é mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/UFRGS)

 

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