A Centralidade do Alimento

A centralidade do alimento é um importante documento sobre o direito à alimentação.  Escrito por Carlo Petrini com a colaboração de Carlo Bogliotti, Rinaldo Rava e Cinzia Scaffidi, que serviu de base para as discussões do VI Congresso Internacional do Slow Food, em Torino, de 27 a 29 de outubro de 2012.

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Apresentação

A flexibilidade, a capacidade de adaptação deste segundo nível foram, ao longo do tempo, a verdadeira força evolutiva do Slow Food. Em nossa história, as diversas opções de organização funcionaram mais ou menos bem: é normal que num caminho se alternem erros e intuições corretas. Mas a verdadeira linfa, que dá força à vivibilidade e à durabilidade dos movimentos, são as visões, as ideias capazes de gerar as boas práticas. Quanto mais diversas, compartilhadas, adaptadas às necessidades locais forem as ideias, mais abrangentes serão as perspectivas. Pela primeira vez em nossa experiência de mais de duas décadas, um documento congressual é traduzido nos idiomas dos inúmeros países em que o Slow Food está presente, sendo divulgado entre associados, convivia e comunidades, enviado à mídia, às instituições político-culturais e às demais organizações empenhadas na defesa do meio ambiente, dos bens culturais e dos direitos primários. A esperança é que possa promover um debate mundial antes do Congresso, favorecendo ideias e práticas nas diversas regiões.

A intenção é que o documento se mantenha aberto para estimular o grande potencial que temos no mundo, graças às diversidades que aliamos com fraternidade, pois apenas a fraternidade é capaz de abraçar a complexidade do mundo.

A diversidade não se governa, ama-se. Compartilhar ideias é um ato de liberdade: união e diversidade podem caminhar juntas e juntas progredir.

O Manifesto do Slow Food, redigido com graça e inteligência por Folco Portinari e assinado em 1989 em Paris pelos fundadores do movimento, foi o primeiro capítulo de um pensamento compartilhado nos quatro cantos do planeta. Sua originalidade continua atual e inspirou a história do Slow Food. O direito ao prazer, a importância de recuperar ritmos de vida saudáveis e o valor da biodiversidade cultural são os temas que representaram a base da formação de no mínimo duas gerações de dirigentes. Na segunda metade da década de 90, a consciência de que o mundo da gastronomia deveria mobilizar-se para defender o grande patrimônio agroalimentar ameaçado pelas produções em massa, tornou-se, para o Slow Food, fonte de inspiração da Arca do Gosto e das Fortalezas. Defender espécies vegetais, raças animais e conhecimentos em risco de extinção, caracterizou, com força e prestígio, o nosso trabalho. No início do novo século, a nossa organização e a nossa rede já tinham adquirido uma maior importância em boa parte dos países do mundo ocidental, mas a verdadeira mudança ainda estava por acontecer.

Em 2004, o Terra Madre se tornou a iniciativa mais relevante e ambiciosa do Slow Food: um sonho que se torna realidade e que, uma edição após a outra, estende sua influência a todos os continentes, fortalecendo o trabalho e a autoestima de milhares de comunidades do alimento que, graças à rede, veem reconhecidos seus sacrifícios e ideias. O Terra Madre mostra a todos a desigualdade de um sistema alimentar global que empobrece os recursos do planeta, comprometendo o futuro das próximas gerações.

O Terra Madre nos obriga a questionar o conceito de qualidade do alimento que não leva em conta apenas o sabor, mas que considera também a defesa do meio ambiente e a justa remuneração dos produtores.

Bom, limpo e justo” é a síntese de um modelo que não somente mantém unido, internamente, o nosso movimento, mas que conquista autoridade e respeito externos. Em 2007, o Congresso Mundial de Puebla, no México, detectou esta onda inovadora, também através da manifestação de uma realidade jovem que, graças ao Youth Food Movement e à Universidade de Ciências Gastronômicas, vê o Slow Food e Terra Madre com interesse cada vez maior. De Puebla até hoje, as sementes do Terra Madre e do Slow Food começaram a brotar com intensidade cada vez maior. É apenas o início de um enraizamento forte e diferenciado, destinado a crescer ao longo dos próximos anos, ultrapassando os limites de um conceito gastronômico antigo e inadequado. Uma visão holística da gastronomia e a construção da capacidade de ultrapassar conceitos que não defendem o valor das diferentes culturas do planeta: os mais belos desafios que temos pela frente para os próximos anos. Aquela que no início parecia apenas uma intuição genial, acabou se tornando uma certeza compartilhada: a centralidade do alimento é um ponto de partida extraordinário para uma nova política, uma nova economia, uma nova sociabilidade. Esta certeza foi amadurecendo ao longo do tempo, não apenas dentro do Slow Food, mas no mundo inteiro, com milhões de pessoas cada vez mais conscientizadas.

A centralidade do alimento que este documento pretende afirmar com determinação implica na convicção de que o direito ao alimento é o direito primário da humanidade, para garantir a vida não apenas do gênero humano, mas de todo o planeta.

Esta afirmação terá desdobramentos importantes para a nossa forma de atuar e trabalhar: nos ajudará a ir além dos tradicionais limites do gastrônomo que não enxerga além de seu prato, e nos levará para portos seguros, onde a simplicidade encontrará o verdadeiro prazer, a agricultura iluminada será responsável pela bondade e beleza, o sabor andará de braços dados com o saber, a economia local cuidará do planeta e do futuro dos jovens. Sem o direito ao alimento bom, limpo e justo para todos, estas instâncias não poderão ser realizadas e toda a humanidade sofrerá, como a nossa mãe Terra.

Pela primeira vez, a composição do nosso Congresso evidencia uma verdadeira rede mundial, testemunhada não só pela quantidade de delegações presentes, mas também pela diversidade de culturas, crenças, histórias individuais e coletivas. Amadurecemos a convicção que o Slow Food e o Terra Madre podem estimular e fortalecer, com reciprocidade e superando preconceitos organizacionais, filhos de diversas sensibilidades.

É um grande desafio que vale a pena ser vivido. O debate sobre este documento contará com encontros e reuniões em todos os lugares do mundo onde houver um convivium Slow Food ou uma comunidade do Terra Madre. É nosso desejo que esta riqueza extraordinária possa dar a todos nós a energia para continuar sonhando.

Veja o sumário do documento:

ÍNDICE

1. QUEM SOMOS: Apresentação e introdução histórica 3
2. DO QUE ESTAMOS FALANDO: O direito ao alimento 5
2.1 Do alimento à fertilidade do solo 8
2.2 Do alimento à salubridade da água 9
2.3 Do alimento à salubridade do ar 10
2.4 Do alimento à defesa da biodiversidade 10
2.5 Do alimento à paisagem 12
2.6 Do alimento à saúde 13
2.7 Do alimento ao conhecimento e à memória 15
2.8 Do alimento ao prazer, à sociabilidade, ao convívio, ao compartilhamento 16
3. O QUE FAZEMOS 17
3.1 A volta à terra 17
3.2 A luta contra os desperdícios 18
3.3 A economia local e a democracia participativa 20
3.4 A educação permanente 21

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