Entrevista com Alice Waters, vice-presidente do Slow Food

Chef e autora dos EUA, que virá a São Paulo em novembro de 2012, defende consumo local e melhor remuneração aos agricultores

Vice-presidente mundial do movimento Slow Food, a chef e autora norte-americana Alice Waters, 68, é um dos maiores símbolos do ativismo na gastronomia.

Tanto em seu restaurante, o Chez Panisse, em Berkeley, na Califórnia, quanto nas manifestações que promove, Alice defende o consumo de alimentos locais e sustentáveis, e melhores pagamentos para os trabalhadores do campo. É preciso, portanto, pagar mais pela comida, diz ela.

As bandeiras levantadas pela chef lhe valeram admiradores dentro e fora dos EUA. Em seu restaurante, fundado em 1971, já recebeu nomes como Bill Clinton e Dalai Lama, Astor Piazzolla e Francis Ford Coppola.

Alice, que vem ao Brasil pela primeira vez em novembro para participar do evento Semana Mesa SP, falou à Folha com exclusividade. Leia a entrevista:

 

Folha – No Brasil, existem, em geral, longas distâncias entre os consumidores em grandes cidades e os principais produtores de alimentos. A tendência é que os ingredientes locais, de pequenas propriedades, sejam mais caros. Como solucionar esse problema?
Alice Waters
– Isso também acontece nos EUA. Acredito que seja uma problema no mundo todo. É preciso pagar um preço razoável pela comida. Devemos pagar bem quem cuida da terra pelo trabalho que faz. Isso significa pagar mais pela comida.

A única solução é ter critérios para comprar comida para as escolas. Se você comprar de produtores locais e sustentáveis para as crianças, se elas forem educadas enquanto são pequenas, vão crescer pensando sobre comida de uma forma diferente.

Esse foi o meu trabalho nos últimos 18 anos em escolas públicas. É a maneira de alcançar cada criança: dando a ela algo que é bom e oferecendo suporte a agricultores que estão fazendo a coisa certa.

Também acho que os restaurantes, em especial, os mais conhecidos têm a responsabilidade de falar sobre suas práticas e de aproximar gastronomia e agricultura.

A senhora construiu uma versão da sua Edible Schoolyard (pátio comestível, em tradução livre, projeto de educação alimentar com hortas nas escolas), ao lado do Capitólio, em Washington. Como foi?
Eu tentava quebrar barreiras. Eu me lembro de que Hillary Clinton (à época, senadora por Nova York; hoje, secretária de Estado dos EUA) apareceu à mesa de almoço que montamos ali [uma refeição foi preparada com os ingredientes colhidos]. Eu disse a ela o que queria: comida de boa qualidade, limpa e justa em todas as escolas.

É possível comprar alimentos locais em grandes cidades como Nova York e São Paulo?
Deve-se buscar mercados dedicados exclusivamente ao que é local e que sigam rigidamente a sazonalidade. Comer o que está disponível em cada estação é importante para a agricultura local. Além disso, existem muitas hortas em Nova York, em coberturas de edifícios, escolas.

E muito da comida consumida em Nova York vem de Nova Jersey, entre uma e duas horas de distância.

Tudo isso é comida local.

Quando a senhora começou a acreditar que estimular e amparar agricultores, pescadores e criadores de animais era parte do seu trabalho?

Quando abri o Chez Panisse, eu não buscava nenhuma revolução. Fui motivada pelo gosto: eu não conseguia encontrar os ingredientes que queria para fazer a comida lembrar a que eu havia experimentado na França.

Por isso, comecei a procurar alimentos mais saborosos, o que me levou a agricultores e pescadores sustentáveis. Por isso, também comecei a fazer nosso próprio pão e a cultivar hortas. Essas conexões e esse modo de preparar alimentos, ligados ao que viria ser o Slow Food, nasceram espontaneamente de um desejo inspirado pela cultura francesa.

Nos anos 70, antes de conhecer Carlo Petrini, fundador do Slow Food, a senhora abriu o Chez Panisse. As experiências desse período já se assemelhavam ao movimento?
Morei na França durante a época da faculdade e experimentei um modo de viver que era -em contraste com os EUA- marcado por tradição, vida em comunidade, agricultura e atenção aos pequenos prazeres da vida.

Então, quase sem saber, todas as pequenas decisões pessoais que fiz foi para trazer essa cultura para Berkeley, que também expressava os valores do Slow Food.

Como define “comprar de maneira local”?
É um conceito delicado. Precisa estar nas proximidades: cerca de duas horas. Mas se encontrar um pequeno produtor bom, mas um pouco mais distante, eu vou comprar dele também.

Em São Paulo, feiras com verduras, legumes e frutas ocupam as ruas. Mas, muitas vezes, os ingredientes vêm de locais a muitas horas de distância. Isso é saudável?
As pessoas precisam estar atentas ao agricultor. “De onde essa comida vem?”. Isso é o mais importante que tenho dito nos últimos anos: saber a procedência do produto. Pergunto de onde vem ainda que seja um hambúrguer.

O Chez Panisse fica em Berkeley, uma cidade com pouco mais de 100 mil habitantes. Um restaurante como o seu sobreviveria em um grande centro urbano?
É claro. Eu estou falando de sazonalidade. É uma ideia que esteve com a humanidade desde o começo da civilização. O mais importante é estar fora do fast food.

Se eu vou a um restaurante e vejo que o menu é sempre o mesmo, não volto mais lá porque sei que não é possível encontrar um alimento com a mesma qualidade em todas as estações do ano.


Entrevista feita por Marília Miragaia e publicada originalmente no Caderno Comida – Folha de S.Paulo

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