Nota de repúdio ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em defesa da produção artesanal e agroindústria familiar de produtos de origem animal

Abaixo a carta enviada a Casa Civil reivindicando a participação dos produtores e seus representantes. Nós do Slow Food Brasil agradecemos a confiança de nossos apoiadores.

CC: Casa Civil, Secretaria de Governo da Presidência da República, Ministério da Cultura e Ministério do Desenvolvimento Agrário

Os produtores, agricultores familiares, suas associações, cooperativas da agricultura familiar, movimentos e organizações signatários deste documento reivindicam a ampliação dos processos participativos na construção de regulamentações específicas para a produção e processamento em pequena escala de produtos de origem animal. Esta produção – como leite e derivados, carnes e embutidos, aves e ovos, pescados, mel – está enraizada no cotidiano de milhares de famílias e de pequenas propriedades rurais em todas as regiões do Brasil, sendo componente importante de sua alimentação e renda. Envolve um vasto repertório de conhecimentos tradicionais, da produção ao processamento, comercialização e consumo. Alguns desses saberes estão associados a modos de ser e de viver, a formas de sociabilidade e sentidos de identidade, transmitidos e aperfeiçoados de geração em geração.

 
Um exemplo paradigmático são os queijos artesanais de leite cru, que fazem parte da sobrevivência econômica e do modo de vida de milhares de famílias em diferentes regiões do país, movimentando a economia de pequenos municípios e fazendo parte da dieta cotidiana e da culinária tradicional de comunidades rurais e urbanas. O Modo Artesanal de Fazer Queijo de Minas já foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN como Patrimônio Cultural do Brasil, por meio do registro no Livro dos Saberes e o registro de outros modos de fazer queijo artesanal encontra-se em estudo.

A legislação sanitária atual, ao não diferenciar escalas de produção e circuitos de distribuição, se sobrepõe à realidade existente, criando barreiras para o acesso aos mercados. Os produtos de origem animal estão atualmente submetidos ao RIISPOA – Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, que segue parâmetros do comércio internacional e é voltado para o controle sanitário de grandes escalas de produção e de processamento, de transportes a grandes distâncias e longos tempos de conservação e armazenagem. O RIISPOA é inadequado à produção artesanal, à agricultura familiar e às pequenas agroindústrias de alimentos, por ser baseado em escalas, parâmetros e valores industriais.

A organização e mobilização de pequenos produtores artesanais e da agricultura familiar de todo o país, como também de associações de consumidores e prefeituras, resultaram no reconhecimento da necessidade de regulações sanitárias específicas para a produção e comercialização em pequena escala. No caso dos produtos regulados pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), grandes avanços foram alcançados com a forma participativa como foi construída a RDC 49/2013, que trata da inclusão produtiva com segurança sanitária de pequenos empreendedores, da agricultura familiar e da economia solidária.

No caso dos produtos de origem animal, regulados pelo MAPA/DIPOA (Ministério da Agricultura / Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal), diversas tentativas de construção de uma legislação diferenciada vêm sendo feita pela Secretaria da Agricultura Familiar, do Ministério do Desenvolvimento Agrário – SAF/MDA. Recentemente, conquistou-se a aprovação do Decreto nº 8.471, de 22/06/2015 e da IN nº 16, de 23/06/2015, que alteram o regulamento do SUASA (Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária) e estabelecem algumas normas específicas de inspeção e fiscalização sanitária de produtos de origem animal, reconhecendo as agroindústrias de pequeno porte, importante segmento da produção, sendo considerados um avanço importante para as pequenas agroindústrias e para a agricultura familiar.

No presente momento, o Decreto 8.471/2015 está em processo de regulamentação pelo MAPA, através de Instruções Normativas para cada cadeia produtiva de origem animal (leite, carnes, ovos, pescados e mel), começando pela IN para agroindústrias de pequeno porte de leite e derivados. No entanto, este processo está se dando de forma pouca democrática e transparente e sem a participação de representantes da agricultura familiar e demais organizações civis envolvidas com o tema. Uma minuta da IN para leite e derivados, elaborada pelo MAPA/DIPOA, foi encaminhada pelo MDA/SAF aos representantes dos movimentos sociais, mas não foi dado o devido prazo para discussão e recolhimento de contribuições das associações de produtores. Foi vetada pelo MAPA a participação de representantes dos agricultores familiares e a única representação de produtores lácteos convidada pelo MAPA foi a associação Viva Lácteos, composta por diversas grandes empresas, incluindo multinacionais, que não representam as agroindústrias artesanais de pequeno porte. É de interesse destas grandes agroindústrias dificultar ao máximo as exigências para as pequenas agroindústrias de leite e para a produção artesanal de queijos, inviabilizando a concorrência e fazendo com que estes continuem como meros fornecedores das grandes indústrias.

Da forma como está, a minuta da IN proposta pelo MAPA tornará inviável a maioria dos empreendimentos de pequeno porte, inclusive financiados pelas políticas voltadas para as agroindústrias familiares. A minuta define, logo de início (Art. 3º) que “o estabelecimento agroindustrial de pequeno porte de leite e derivados é classificado como de alto risco.” Consideramos este ponto de partida discriminatório e segregacionista: não existe comprovação prática e/ou científica de que os modos tradicionais de produzir leite e fazer queijos artesanais de leite cru em pequena escala sejam de alto risco a priori, assim como os demais produtos de origem animal.

A minuta da IN do leite revoga artigos importantes da IN 16/2015 e é eivada de exageros, com a exigência de investimentos e custos desproporcionais para as pequenas escalas de produção, como análises e controles industriais que aumentam os custos de produção; automatização de algumas linhas de processamento; obrigatoriedade de laboratório interno ou realização das análises em laboratórios terceirizados sem previsão de qualquer subsídio; limites de produção sem qualquer embasamento técnico; dentre outros.

Esta forma de proceder certamente terá consequências desastrosas para as pequenas agroindústrias, não somente a cadeia de leite e derivados como todas as demais, que serão discutidas em seguida. Acreditamos que a construção de uma legislação específica para os produtos artesanais e para os pequenos empreendimentos de produção de alimentos, deve ser assumida como uma ação complexa que envolve valores, interesses econômicos e potenciais conflitos e que precisa levar em conta as diversidades de realidades locais e regionais. As próprias definições sobre risco e qualidade dos alimentos precisam abranger, além dos conhecimentos científicos (o mais interdisciplinarmente possível), o interesse público e as diversas formas de conhecimentos advindos da experiência.
Uma legislação específica para os produtos artesanais e para os pequenos empreendimentos de produção de alimentos não pode prescindir da cultura e do “saber-fazer” tradicional. A associação do conhecimento técnico-científico aos saberes de quem faz e consome é possível e será sempre mais realista e produtiva, conforme verificamos nos processo de discussão e implementação da RDC 49/2013 da Anvisa.

Assim, os agricultores familiares, suas associações, cooperativas da agricultura familiar, movimentos e organizações signatários deste documento reivindicam a ampliação dos processos participativos na regulamentação do Decreto nº 8.471/2015, com a viabilização da participação de representantes dos produtores e agricultores familiares e de todos os setores interessados, tanto para a cadeia de leite e derivados como para todas as demais cadeias previstas.

Baixe a Minuta Proposta legislação leite e derivados MAPA [aqui]

Subscrevem a presente nota:

ALDEIA MUNDO LTDA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS CRIADORES DE OVINOS DE RAÇAS LEITEIRAS – ABCOL
ASSOCIAÇÃO DOS PEQUENOS AGRICULTORES DO OESTE CATARINENSE – APACO
ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DO QUEIJO CANASTRA EM MEDEIROS – APROCAME
ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES E AGROPECUARISTAS DA MAJOR GERCINO
ASSOCIAÇÃO REGIONAL DOS CRIADORES E PROTETORES DA RAÇA BOVINA MONTBELIARDE OESTE SC
CASA COLONIAL – SEARA / SC
CENTRAL DAS COOPERATIVAS DE ACOMPANHAMENTO TÉCNICO E EXTENSÃO RURAL – CENATER
CENTRAL DE COOPERATIVAS E EMPREENDIMENTOS SOLIDÁRIOS – UNISOL BRASIL
CENTRO DE ESTUDOS E ASSESSORIA – CEA
CENTRO TECNOLOGIAS DA ZONA DA MATA – CTA
CONFEDERAÇÃO DAS COOPERATIVAS DE REFORMA AGRÁRIA DO BRASIL – CONCRAB
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA – CONTAG
COOPERAÇÃO E APOIO A PROJETOS DE INSPIRAÇÃO ALTERNATIVA – CAPINA
COOPERATIVA AGROPECUÁRIA DOS PRODUTORES DE DERIVADOS DE LEITE DO ALTO PARANAÍBA – COOALPA
COOPERATIVA CENTRAL DE LEITE DA AGRICULTURA FAMILIAR COM INTERAÇÃO SOLIDÁRIA – SISCLAF
COOPERATIVA CENTRAL DE LEITE DA AGRICULTURA FAMILIAR COM INTEREÇÃO SOLIDÁRIA DO OESTE DO PARANÁ – SISCOPLAF
COOPERATIVA CENTRAL DO CERRADO
COOPERATIVA DA AGRICULTURA FAMILIAR DE XANXERÊ
COOPERATIVA DA AGRICULTURA FAMILIAR INTEGRADA DO PARANÁ – COOPAFI CENTRAL
COOPERATIVA DE CREDITO RURAL SEARA – CREDISEARA
COOPERATIVA DE LEITE DA AGRICULTURA FAMILIAR COM INTERAÇÃO SOLIDÁRIA – COORLAF CENTRAL
COOPERATIVA DE PROCESSOS ALIMENTAR DA AGRICULTURA SOLIDÁRIA – COOPASOL
COOPERATIVA DE PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL FAMILIAR DE SEARA – COPAFAS
COOPERATIVA DE PRODUÇÃO E CONSUMO DOS PRODUTORES E DAS AGROINDÚSTRIAS FAMILIARES DE SEARA – COOPASE
COOPERATIVA DE PRODUTORES ORGÂNICOS GRANLAGO – VERA CRUZ DO OESTE / PR
COOPERMAJOR – COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL DE MAJOR GERCINO
CRIADORES E ASSOCIADOS DOS CARIRIS VELHOS – CASCAVEL
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS NA AGRICULTURA DO ESTADO DO AMAPÁ – FETTAGRAP
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS NA AGRICULTURA FAMILIAR – FETRAF
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO DISTRITO FEDERAL E ENTORNO – FETADFE
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DA BAHIA – FETAG-BA
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DA PARAÍBA – FETAG-PB
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE ALAGOAS – FETAGAL
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE GOIÁS – FETAEG
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE MATO GROSSO – FETAGRI-MT
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL FETAGRI-MS
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – FETAEMG
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE PERNAMBUCO – FETAPE
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE RONDÔNIA – FETAGRO
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE RORAIMA – FETAG-RR
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE SANTA CATARINA – FETAESC
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE SÃO PAULO – FETAESP
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE SERGIPE – FETASE
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE TOCANTINS – FETAET
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DO ACRE – FETACRE
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DO AMAZONAS – FETAGRIAM
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DO CEARÁ-FETRAECE
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – FETAES
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DO MARANHÃO – FETAEMA
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DO PARÁ – FETAGRI-PA
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DO PARANÁ – FETAEP
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DO PIAUÍ – FETAG-PI
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – FETAG-RJ
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – FETARN
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – FETAG-RS
FÓRUM BRASILEIRO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA – FBES
GRUPO DE TRABALHO QUEIJOS ARTESANAIS SLOW FOOD BRASIL
INSTITUTO SOCIO AGROAMBIENTAL CERRADUS – ICERRADOS
INSTITUTO, SOCIEDADE, POPULAÇÃO E NATUREZA – ISPN
LABORATÓRIO DE ESTUDOS RURAIS DA UFRN
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – MST
ONG MORADIA E CIDADANIA DO MARANHÃO
PETRUS CONSULTORIA
REDE DE CULTURA ALIMENTAR E INSTITUTO IACITATA
REDE MATERIAIS DE EA – REMATEA
REDE PARANAENSE DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL REA-PR
REDE SUL BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL – REASul
SERTÃOBRAS
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE MAJOR GERCINO
UNIÃO NACIONAL DAS COOPERATIVAS DA AGRICULTURA FAMILIAR E ECONOMIA SOLIDÁRIA – UNICAFES
UNIÃO NACIONAL DAS ORGANIZAÇÕES COOPERATIVISTAS SOLIDÁRIAS – UNICOPAS
UNICAFES AMAZONAS
UNICAFES BAHIA
UNICAFES CEARÁ
UNICAFES MINAS GERAIS
UNICAFES PARANÁ
UNICAFES RIO DE JANEIRO
UNICAFES RIO GRANDE DO NORTE
UNICAFES RIO GRANDE DO SUL
UNICAFES SANTA CATARINA

Deixe um comentário:

Últimas notícias

Visual Portfolio, Posts & Image Gallery for WordPress

Peixe de Varal

Pescados artesanais, cozinha local, sabedoria caiçara, tempo, sol e mar,  são esses os ingredientes que da Peixe de Varal. Angélica Souza é pescadora, cozinheira e empreendedora na Peixe de Varal. É um...

Território e Cultura Alimentar no Ceará

Projeto propõe ações de fortalecimento junto a comunidades indígenas cearenses A confluência entre a Associação Slow Food do Brasil (ASFB), a Secretaria de Desenvolvimento Agrário, através do Projeto São José, e a...