O vinho natural em defesa da paisagem

A produção de vinho bom, limpo e justo pode ser grande aliada na defesa da agroecologia  e na promoção da sustentabilidade ambiental e socioeconômica dos territórios da vitivinicultura.

Marina Santos da Vinha Unna – fotografada por Amanda Primon

A Vinha Unna é um projeto de viticultura fruto do envolvimento e encantamento que o vinho produz, como define Marina Santos, idealizadora do projeto, viticultora, vinhateira, sommelière e aprendiz. Há mais de 10 anos, ela mergulhou no universo do vinho e junto com Israel, seu companheiro, agricultor e cozinheiro, comanda projetos ligados à pesquisa e produção de vinhos e agroecologia. Os dois têm profundo respeito e conhecimento do terroir, em Pinto Bandeira, município que pertence à Serra Gaúcha e ao bioma da Mata Atlântica. A descrição é idílica, mas a realidade é dura. Em 2018, pressionados pela especulação imobiliária venderam a propriedade da vinícola. Desde 2020, em novo terreno cedido por familiares, Marina e Israel reconstroem a Vinha Unna movidos por resistência e paixão  “Plantamos novas vinhas, uma agrofloresta, cultivamos ervas aromáticas e reconstruímos com nossas próprias mãos tudo que havíamos perdido. Ainda não está tudo pronto, mas cada dia fica mais bonito. A nova propriedade conta com um espaço para cursos presenciais e a distância sobre temas ligados à sustentabilidade na produção de uvas e ervas aromáticas, esse espaço era um sonho antigo.”, explica Marina. 

O movimento do vinho natural não é mais um estilo de vinho ou modismo, visão comum, mesmo entre profissionais da área. Como define Marina:  “Vinho natural é o resultado de uma escolha filosófica para encontrar a expressão natural de um terroir, é um movimento agrícola. É feito de uvas trabalhadas em agroecologia, sem herbicidas, pesticidas, fertilizantes ou outros produtos sintéticos. A colheita é manual e na produção do vinho o(a) vinhateiro(a) se esforça para manter vivo o caráter varietal do vinho. As intervenções técnicas que podem alterar a vida bacteriana do vinho não são aceitas nem produtos químicos adicionais, exceto, se necessário, sulfitos (SO2) em quantidades muito pequenas. O fato de trabalhar com vinhos naturais envolve deixar leveduras selvagens (que estão naturalmente na casca da uva) operarem suas sucessivas transformações, para se obter uma longa vinificação, calma e elegante.” 

As características específicas do terroir, as escolhas desde o plantio até a colheita das uvas e o processo de vinificação são as etapas seguidas na criação de um vinho. O terroir, tão central aos produtos com identidade territorial, nada mais é que uma paisagem agrícola tradicional. Assim como áreas de mangue ou de várzea de rios existem em equilíbrio com o bioma no qual estão inseridos e, portanto, estão ameaçados pelo avanço da crise climática. A preservação ambiental, a defesa de tradições culturais ligadas à produção de vinhos e a manutenção do desenvolvimento socioeconômico dos territórios de produção pautaram a Slow Wine Fair, que aconteceu na Itália (Bolonha) entre os dias 27 e 29 de março de 2022.

A exemplo do que ocorreu na agricultura em todo do mundo nos últimos 200 anos e, sobretudo no pós-segunda guerra, a industrialização dominou também a produção de vinhos. Envolver-se com a cultura do vinho atualmente, além de prazeroso e ritualístico, deve ser um ato de responsabilização por parte dos produtores e, sobretudo, consumidores finais. Nesse contexto a Slow Wine Fair, foi uma oportunidade para produtores trocarem histórias e experiências e, o mais importante, debater os desafios coletivamente com a presença de fornecedores, sommeliers, ambientalistas e consumidores. No centro das discussões está a crise climática, cujos efeitos são vistos na extraordinária seca ou excessivas chuvas que afetam o cultivo da uva. Nesse contexto, práticas ambientalmente sustentáveis que busquem preservar a vitalidade do solo e entender melhor o uso de recursos hídricos são temáticas centrais e de debate urgente. O papel do viticultor na conservação da paisagem e na justiça social são igualmente importantes e tiveram também destaque nas atividades propostas. 

Marina foi a única representante do Brasil na primeira edição da Slow Wine Fair e é uma das ativistas da Slow Wine Coalition, aliança firmada em 2021, que tem como objetivo difundir e pautar o manifesto em defesa do vinho bom, limpo e justo, publicado em 2020. O manifesto é sustentado por três pilares: o comprometimento com uma produção limpa de uva sem uso de fertilizantes e agrotóxicos, preferencialmente, proveniente de técnicas ecológicas; a integração da vinícola com a paisagem de forma sustentável e comprometida com biodiversidade do ambiente; e a responsabilização pelo desenvolvimento socioeconômico dos territórios de vitivinicultura . O desafio da Slow Wine Coalition é enorme. “O movimento mundial acerca do vinho natural, é exclusivamente agrícola, e em sua maioria feito por pequenos produtores, alguns completamente isolados em suas regiões, defendendo sua filosofia, completamente focados no trabalho campesino e lutando contra as mudanças climáticas para se produzir uvas sãs. Um movimento que venha no sentido de conscientizar o consumidor da importância, do risco e da entrega deste trabalho é muito positivo, e o Slow Food tem uma conversa ampla e direta com o consumidor final, é muito válido este primeiro passo.” pondera Marina. 

A feira foi a primeira reunião dos produtores da Slow Wine Coalition que, durante os dias do evento, reforçaram o compromisso e protagonismo da Coalizão nas  discussões em torno do manifesto do vinho bom, limpo e justo e nas palavras do presidente, Giancarlo Gariglio “Agora que os protagonistas da Slow Wine Coalition finalmente se encontraram, temos maior consciência dos desafios coletivos que enfrentamos e melhores ferramentas para enfrentá-los”. Marina concorda que além disso há uma forte simbologia da primeira feira do Slow Food acerca do vinho ter se realizado na Itália, berço do movimento: “É um momento para deixar clara as intenções e ações para os próximos anos em relação ao vinho, e como o Slow Food irá se posicionar daqui para frente, a feira como evento aberto ao público faz com que o consumidor sinta-se parte do processo.”

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