Piracuí

Arca do Gosto // Pescado, marisco e derivados

Acari (Lipossarcus pardalis) e Tamuatá (Callichthys callichthys) // Região de Manaus (AM), e na região do rio Tapajós a jusante de Santarém (PA) // Pescadores de Prainha (PA)

Piracuí (Foto: Neide Rigo)

Piracuí, como o próprio nome revela, é uma farinha feita de peixe (do tupi: pira = peixe | cuí = farinha), que é produzida a partir do beneficiamento de duas espécies principalmente, o acari (Lipossarcus pardalis) e o tamuatá (Callichthys callichthys – foto abaixo). Estas espécies caracterizam-se pelo corpo revestido de placas ósseas e pelo hábito de viver nos fundos dos rios, em especial de leitos rochosos, alimentando-se de lodo, vegetais e restos orgânicos. Além da respiração branquial, são capazes de absorver oxigênio da atmosfera. Na época em que os rios atingem o auge da seca – de agosto a outubro – grande quantidade deles fica presa no solo úmido não submerso, onde sobrevivem por poucos dias. Pelo fácil acesso à captura, são aproveitados para o preparo do piracuí. São peixes que apresentam deterioração muito acelerada após a pesca, motivo que reforça a opção dos pescadores pelo beneficiamento do piracuí.

Os peixes são cozidos ou assados e prossegue-se um processo de separação da carne, carcaça, espinhas e placas ósseas (também chamadas de iscas). A carne, assim obtida, é torrada, sendo continuamente mexida sobre uma chapa aquecida no fogo a lenha. Durante o aquecimento a massa de peixe recebe sal e iscas menores são retiradas. O produto final, de textura semelhante a uma farinha, é resfriado naturalmente e embalado. É comum a presença de uma porção de ovas de peixe na massa do piracuí. Elas são facilmente identificadas pelo formato esférico e consistência peculiar. O acari e o tamuatá são espécies de período reprodutivo longo, sendo freqüente a presença de fêmeas ovadas no preparo da “farinha”. Entretanto, existe um período em que a reprodução é mais intensa e a pesca é proibida. Trata-se do defeso, período de dezembro a março, estabelecido legalmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

 Apesar de registros bibliográficos relatarem a antiga ocorrência do piracuí em toda a bacia amazônica e, em casos específicos, em regiões litorâneas do sudeste do Brasil, hoje a produção se concentra na região de Manaus, no estado do Amazonas, e na região do rio Tapajós a jusante de Santarém, no estado do Pará. É nesta última região que se encontra a comunidade Vira Sebo, parte da Comunidade do Alimento Tamuá. Esta comunidade é constituída por pescadoras e pescadores da várzea da margem direita do rio Amazonas, nas bocas dos rios Uruará e Purús, no município de Prainha. Seus antepassados têm origem no Baixo Amazonas, na região chamada “das ilhas”, e migraram para aquela região entre as décadas de 1930 e 1950. É uma população que se originou do encontro e do choque entre os indígenas da região e os povos migrantes nordestinos, geralmente de origem europeia e africana. Estas comunidades vivem principalmente da pesca, integrada, em alguns casos, com a criação de gado e pequenos comércios.

Tradicionalmente, o produto em questão constitui recurso importante para a segurança alimentar destas comunidades: o peixe, pescado na estação de fartura, é conservado como piracuí até a estação em que o pescado é mais escasso. Essa importância ganha relevância se considerarmos que o peixe é a maior fonte de proteínas e que a inexistência de energia elétrica impossibilita a conservação por refrigeração na região.

Hoje em dia a tradição do preparo e consumo do Piracuí tem mudado. Por um lado o acesso dos ribeirinhos a cidades tem aumentado, levando cada vez mais a comida industrializada ao cardápio do dia-a-dia. Por outro lado, o fato do produto não ter um amparo legal para sua produção e comercialização – o que poderia abrir caminhos para o piracuí no mercado de produtos alternativos sustentáveis e gerar renda alternativa – o torna cada vez menos atraente. Estes fatos tem diminuído o número de produtores e ameaça a manutenção desta cultura alimentar a médio prazo.

O piracuí tem elevado teor proteico, aproximadamente 60% de sua composição conforme pesquisas recentes. Pode ser consumido puro, ou usado como ingrediente em variados pratos, como bolinhos, sopas, massas e farofas. O piracuí elaborado com o peixe acari é fibroso, de granulação relativamente média e sabor intenso, sendo uma boa opção de ingrediente para receitas. O piracuí de tamuatá é mais fino e de sabor suave, sendo mais apreciado para o consumo puro. 

Por ser um produto tradicional, não contemplado na legislação que regulamenta o comércio de produtos alimentares de origem animal no Brasil, tem sido comercializado informalmente em escala local. Muitos são os produtores de piracuí na região. Entretanto, existe um grupo de 10 produtores que, a partir da discussão do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da Colônia de Pescadores de Prainha, e em parceria com organizações não governamentais da região e internacionais, passaram a produzir o piracuí com fidelidade à qualidade, buscando um mercado especializado e, especialmente, respeitando as normas de defeso. Eles integram a Cooperativa Mista de Prainha (COIMPRA), fundada em 2011.

Tamuata (Foto: Neide Rigo/Come-se)
(Tamuata – peixe do qual é feito o Piracuí)

Nome e endereço de contatos relevantes com os produtores:
Ivonete Queiroz
Presidente da COIMPRA – Prainha, PA
+55 (93) 8405.8726
+55 (93) 3534.1122
tamua.santoantonio@yahoo.com.br

Nome e Endereço do Referente:
Luca Fanelli
+55 (11) 8689 9196
fanelli.luca@photowo.net

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