A felicidade de volta à quinta dos animais (Artigo de Carlos Petrini)

Grande parte da carne e dos produtos animais que comemos é produzida a partir de animais criados em condições dramáticas. Informar-se, conhecer e escolher é o primeiro passo rumo a uma possível mudança…

Poucos têm acesso a produtos de animais criados em condição de bem-estar ou, pelo menos, é muito difícil ter certeza. Os animais, porém, são seres sensíveis, devendo ser poupados de maus-tratos, dor e medo. Devem ter o máximo de liberdade possível para que manifestem seu comportamento natural. É isto que significa “bem-estar animal” e concerne a vida dos animais, mas está ligado indissoluvelmente a todos os aspectos da comida: da saúde à sustentabilidade ambiental, da justiça social à segurança alimentar. É, no mínimo, um dever compreender a sua importância e significado.

Já em 1999, com o Tratado de Amsterdã, os animais foram definidos seres sensíveis e não meros produtos agrícolas; mas é com o Tratado de Lisboa de 2009 que a União Europeia declarou o bem-estar animal como elemento fundamental. Apesar deste sinal importante, em muitas situações ainda não são garantidas condições mínimas de bem-estar aos animais. Milhões de animais vivem em espaços fechados, onde todas suas funções são sacrificadas em nome da produção, com pouca ou nenhuma possibilidade de movimento e liberdade.

Nos países membros da União Europeia se vê uma luz com a promulgação de normas relativas ao bem-estar animal, mas há ainda sombras no que diz respeito a sua implementação. Há algumas semanas, a União Europeia abriu um processo de infração contra 13 países, incluindo a Itália, por não terem cumprido a legislação que, a partir de 1° de janeiro, proíbe o uso de gaiolas para a criação de galinhas poedeiras.

Do ponto de vista dos criadores de grande e pequena escala, a adoção de sistemas onde o bem-estar animal é prioritário, é um valor agregado. A criação de condições positivas significa um estado de saúde melhor e animais menos estressados. Isto implica menos doenças, com um menor uso de medicamentos que poderiam ter consequências para a saúde humana ou para o meio ambiente, através dos dejetos. Com menos medicamentos, os custos de produção serão menores e haverá uma melhora na qualidade do produto, tanto do ponto de vista organoléptico, como nutricional. Seria necessário, porém, que o esforço dos criadores fosse apoiado por políticas que defendam da concorrência desleal de países terceiros, cujos produtos a baixo custo não são submetidos aos mesmos padrões de bem-estar animal.

Do ponto de vista do consumidor, há uma maior consciência, mas ainda não é suficiente. O aumento do consumo de produtos animais é insustentável para que se mantenha um bem-estar animal aceitável, comprometendo os avanços em informação e educação para um consumo mais responsável. Nos países ricos há um consumo excessivo de proteína animal, com consequências graves para a saúde (risco de obesidade, doenças cardiovasculares e câncer). Precisamos comer muito menos carne, permitindo aos criadores uma produção de qualidade maior (respeitando, inclusive, o bem-estar animal) e, ao mesmo tempo, exigindo que os países pobres melhorem a dieta de suas populações.

É muito difícil não ser cúmplice de um sistema tão problemático. Na falta de políticas adequadas, é preciso informar-se melhor sobre aquilo que se compra e defender, com as próprias escolhas, os produtores mais atentos. Uma dica se você estiver na europa: ao comprar ovos, deve-se ler o código alfanumérico impresso em cada um deles. O primeiro número indica o tipo de criação: zero indica ovos orgânicos, 1 = galinhas criadas ao ar livre, 2 = galinhas criadas na terra (mas cuidado: é sempre dentro de galpões) e 3 = galinhas criadas em gaiolas. O resto do código indica a origem dos ovos, para que se possa escolher um produto local. Consta o código do país (por ex.: “IT” para Itália), e da província, expresso com outras duas letras.

Voltando às normativas europeias, em 2013 será a vez dos criadores de suínos: proibição ao uso de gaiolas para as fêmeas gestantes. Será mais um avanço importante. O diálogo, a informação e a educação para o bem-estar animal são ferramentas poderosas e a conscientização deve começar com as crianças, nas escolas, famílias e, sobretudo, à mesa. Comamos menos carne, mas que seja de melhor qualidade. Aprendamos a reconhecê-la. Pode parecer um paradoxo, mas além de fazermos bem a nós mesmos e ao meio ambiente, faremos algo útil para os animais.


Texto de Carlo Petrini – Presidente do Slow Food Internacional
Retirado do jornal La Repubblica, 14 de março de 2011

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